DOI-Codi-SP Vestígios do Tempo no Cárcere
arqueologia no maior centro urbano de tortura da ditadura militar brasileira, o DOI-Codi-SP
DOI:
https://doi.org/10.24885/sab.v38i1.1214Palavras-chave:
DOI-Codi/SP, arqueologia da violência, arqueologia forense, patrimônio culturalResumo
É estimado que entre 1969 a 1975 cerca de sete mil pessoas tenham sido detidas no maior centro de repressão brasileiro, o Destacamento de Operação e Informação do Centro de Operações de Defesa Interna, no município de São Paulo (DOI-Codi-SP), no Brasil. Nesse espaço, inúmeras pessoas foram torturadas e dezenas, assassinadas. Recentemente uma pesquisa arqueológica interdisciplinar vem sendo realizada com o propósito de compreender de modo abrangente como ocorreram os crimes de Estado contra a sociedade civil, por meio da perspectiva da arqueologia da arquitetura e arqueologia forense, com desdobramento para ações da Arqueologia Pública. Ademais, pesquisa histórica por meio de documentos escritos e coletas de depoimentos vem sendo paralelamente desenvolvida. Este artigo tem por objetivo explorar um panorama geral da primeira fase da pesquisa, apresentar e discutir os vestígios de inscrições confeccionadas possivelmente por uma vítima na contagem do tempo de sua detenção nesse espaço. Em face das descobertas angustiantes, mas profundamente significativas, este trabalho ressalta a importância de investigações arqueológicas e históricas no processo de desvelamento e compreensão das atrocidades cometidas no DOI-Codi-SP. Através da análise dos vestígios físicos e dos relatos das vítimas, a pesquisa oferece uma nova dimensão ao entendimento dos crimes de Estado, da necessidade de um efetivo processo de Justiça de Transição, ao mesmo tempo em que reafirma o papel da Arqueologia Pública como uma ferramenta vital para a construção de memória e justiça. As inscrições na parede, registrando os dias de cárcere de um detento, não são meramente marcas em uma superfície de concreto; elas simbolizam a resiliência humana face à opressão e enfatizam a necessidade urgente de preservarmos estes espaços de memória para as futuras gerações, como locais de reflexão e aprendizado sobre o passado sombrio que jamais deve ser esquecido ou repetido.
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